sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Epopéia Marôta



Tinha que subir os 3 andares de escada. Esse era o seu objetivo maior, talvez da semana. Desde às 4 da tarde estava meditando, meditando

subirdescada
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Também, passou a manhã toda sentado, ainda comeu uns bolinhos de chuva, estava se sentindo pesado, com os arrotos vindo lá do joelho, densos. Levantou, atlético, deu tchau pro tio e saiu pra rua, onde os canarins cantavam, junto à fumaça ecológica dos ônibus, com o ronco das barrigas todas e com a voz que dizia, mantricamente

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Analisando friamente, o motivo da obsessão repentina por subir escadas tem a ver com a falta de objetivos que a falta de objetivos causa. Precisava sentir-se vivo, e pra tal é necessário pensar em morte, mirar um fim. Hoje: Subir os 3 andares de escada.

*

Passou antes no banco, driblou os estagiários, passou na porta giratória

- você possui obj...

caralho, o celular nunca detecta, nunca detecta porque agora detectou?

tirou o celular, entregou ao guardinha e passou na porta giratória

- você possui...

droga! será que algum tipo extra-terreno instalou algum chip de titânio na sua clavícula?
Deve ser a nova dieta, rica em ferro e ácidos graxos
ou a perna mecânica!

não


era um par de grandes moedas de um real, e uma pequena porém maciça moedinha de dez centavos.

passou pela porta giratória!

foi pagar a conta, mas a maquininha não leu o código de barras.

puts!

a senhora do caixa colocou o óculos pra perto e digitou, calmamente repitindo os números trêmulos

três

dois

vinte e cinco..

cinco.. o cinco já foi...

sequência de sete zeros

vinte oit...

me dá isso aqui, puxou da mão da apavorada senhora e leu de três em três, num ritmo frenético, e a senhora digitou tudo em uma só respiração, pagou e não esperou o troco de um real e setenta e três.

teve medo da porta giratória trancar ao sair (!) então rapidamente já se desfez do celular, do chip e da perna, e saiu às pressas, que não estava ali a perder tempo.

*

Na tabacaria constatou que não se vendia tabaco. Quilos e montes de chocolates, balas e revistas, isso é o que se vendia na tabacaria ultimamente. Comprou três balas de café, quando sentiu falta do um real e setenta e três do troco não recebido.

Pagou com uma nota de cinqüenta reais.

A moça olhou a nota de vários ângulos, raspou a unha no cantinho do papel, e por fim despejou uma solução gelatinosa que em contato com a cédula ficou cor-de-rosa.

Irritou-se, pois não tinha cara de bandido, e não havia porque tanta averiguação. Estava até bem vestido, traje semi-sport.

- Então, é falsa?

Não era, mas a moça estava sem troco, e pediu pra ir ir rapidamente na farmácia ver se eles trocavam.


*

Na farmácia, a moça chegou junto com um rapaz narigudo com aspecto de publicitário. Aquele nariz bastante oleoso. Percebeu que foi atendida antes por ter grandes peitos, daqueles cheio de terminações nervosas.

- Troca pra mim, moço?

O farmacêutico-balconista, com pinta de mágico prestidigitador, não conseguia tirar os olhos grandes dos peitos da grande moça, motivo que fez com que um repentino mal de parkinson® lhe acometesse na hora de contar as notas, que pareciam todas banhadas em mel.

Acabou dando sete notas de dez reais pra moça, que, apesar da honestidade, era péssima em matemática e estava com o salto alto incomodando, o que fez com que ela saísse sem conferir o troco.

*

Quando a moça chegou com o dinheiro, já havia o nosso protagonista comido as três balas de café - mastigando, e estava nervoso, mexendo em um acabamento do balcão, colando, descolando, coland, descolando, colan, descolando, cola, descolando, col, descolando, co, descolando, c, até que descolou-se de vez.

Levou um enorme susto quando a moça voltou com o troco, meia hora depois*

*cientificamente, a moça demorou sete minutos e doze segundos, mas a sensação térmica era de meia hora, certamente.

Porra que demora! - teria gritado não fosse tímido e não se apercebesse agora dos enormes peitos que andavam junto à moça;

- Seu troco, senhor, desculpa a demora!

Saiu apressado, pensou em elogiar os seios de maneira elegante

- Graciosos bustos!
ou
- Gosto dos bicos grandes desse jeito!

mas (sorte) não falou nada disso e o diálogo foi mais ou menos assim:

- Seu troco, senhor, desculpa a demora!
- De nada?

Saiu nervoso, devia ter dito algo mais inteligente e afirmativo pra mocinha da tabacaria. Bom, mas não era muito chegado em tabacos, de qualquer modo não frequentaria o local muitas vezes mesmo.

*

Na porta de casa, como é comum nos dias de hoje, estava escorado um vendedor de dvd's. Geralmente olhamos pra esses vendedores de dvd's como se fossem parte da paisagem, mas dessa vez pensou: vou pegar um filme de aventura!

- um é cinco dois é dez três é quinze

Levou três, pra aproveitar a promoção:
Duro de Matar 1
Duro de Matar 2
Duro de Matar X - As origens

Pagou os quinze reais e estranhou: tinha cinqüenta reais no bolso e agora seguia com cinqüenta reais no bolso, e ainda mais quatro!

capital inicial
(R$50)
comprou três balas de café
(50 - 0,15 = R$49,85)
desfez-se das moedas
(49,85 - [conjunto de moedas] = R$49)
comprou três dvd's na promoção
(49 - 15 = R$34)
e sobrou no seu bolso cinquenta e quatro reais
(34 + [pulga atrás da orelha] = R$54!)


*


Entrou ressabiado no prédio, pela primeira vez o capitalismo estava a seu favor, como funciona com os tubarões: sai com dinheiro, compra, gasta, desperdiça e chega em casa com mais dinheiro ainda!

Por dez segundos sentiu-se jogando poker com os ex-presidentes estadosunidenses da américa, fumando charutos e falando gírias do texas

- A'rai fellow!


A empregada estava limpando as janelas e olhou com olhar de rena assustada, disse um oi diferente, como se viesse de fora e entrasse pros pulmões, junto com a respiração.

Desdenhou a empregada, e entrou no elevador, que tinha um enorme cheiro de sândalo.
Estava enfim chegando em casa!
Sentia-se pleno, vivo, cheio de histórias, castigado pelos minutos!
Sentiu falta de ter um filho, (passou rápido)
Já sentia o cheiro de cinzas com óleo de oliva típico da sua casa quando o elevador deu um baque e travou exatamente entre o terceiro e o quarto andar, no que seria o máximo do arrojo estético pra classe dos elevadores.

*

Não fosse as seis horas de claustrofobia até que a equipe da thaiser-welerson elevadores chegasse e resolvesse a questão, nosso amigo teria certamente esquecido que o dia hoje era de subir os três jogos de escada!

e nós, leitores, teríamos nos esquecido também de quão efêmeras são as vaidades humanas.

2 comentários:

Naná Bap. disse...

tá. pensa aí em escrever um roteiro pra mim.




pensou?
{pois tô adorando os escritinhos seus}

Unknown disse...

sehr gut!