sábado, 27 de dezembro de 2008

Cacos do ano



1)
O que dizer sobre esse período do ano que se coloca como hiato entre o natal e o ano novo?
Percebo pelo movimento das ruas que alguns ainda trabalham.
muitos.
Mas os outros estão todos confusos, sem orientação.
Na sinaleira, esperando o sinal pra atravessar. (nenhum carro à vista)
Na estrada, movimentando.
Aguardando os fogos de artifício.
Pisando na areia da praia - blasé
Assistindo TV, a espera de um comando
De uma missão.
- Ajudar os irmãos de santa catarina?
Não!
Esse não é o espírito desse momento de ano.
Os irmãos de santa catarina que esperem até o ano que vem.
As coisas todas que esperem até o ano que vem.
O momento agora é de reflexão.

2)
Dizem que é momento de reflexão
Mas o único espelho que havia em casa, quebrou
Seria o momento de, em pé, discursar
E a única boca que trago no rosto, calou

Os pés, formigando, sentaram-se, autônomos
O banco com um dos assentos vagos
Justo o da janela!

Nesse período do mês, só vassoura e pá
Juntando os cacos, os restos e as cascas do ano que passou lotado
Nesse período, não adianta fazer sinal
O ônibus já passou!
Lotado!

3)
Deve ser por isso que alguns ainda mantém todos aqueles enfeites de natal
Luzes
Deixa tudo ali, esperando.
Essa época do ano é de esperança.
E enquanto esperamos, esperamos, e só!
Deixo o tempo ocupar os espaços, e habitar em mim.

4)
O papai-noel torto na janela, tento ajeitar, e ele segue torto.
Pra quê? Já acabou o natal, e como tudo agora - só ano que vem!
Olho pros lados, furtivo.
Olho de novo.

Arranco!, mãos e dentes, rasgo o papai noel do pequeno trenó, jogo com raiva pro lado de fora.
(uma sirene agora soa mais alto que os rumores nas janelas)


5)
As luzinhas de natal são muito unidas. Respeitam as diferenças, e a vermelha mesmo sendo mais bonita, pisca de forma sincronizada com a amarela e a azul, ali ninguém quer aparecer mais que ninguém.
Porém, com o fim do natal percebi que mudou a coreografia das suas luzes. Demorada. (Resignada?)

E as luzes teriam que brilhar essas piscadas resignadas durante todo esse vão-de-ano, se dependesse da vontade da espécie humana.

Porém no único sábado antes do reveillon, a luz verde, que durante as festas era mero complemento ao colorido do pinheiro, resolveu ganhar voz (calando-se)

Apagou-se.
E como que em luto, a amarela, a vermelha, a azul - todas as outras apagaram-se também, em uníssono.

Eis o espírito dessa época do ano:
Um grande coral das mais diversas vozes
Todos calados em uníssono.


sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Conto de Natal



Guirlandas dependuradas, adornos de porta, sorrisos de fim-de-ano. Fora isso, tudo normal.
Ceia, peru, papai-noel, tudo como habitava a cabeça da nossa infância.

Já aos sete anos não acreditava mais na data, na bíblia e nos reis magos, mas esperava com singela angústia alguns presentes, quitutes, e...
Presentes e quitutes já estavam de bom tamanho (praquelas crianças que tiveram arrepios e chegaram a ter pesadelos com medo do espírito de natal, puxador de pernas na calada na noite!)

Algum parente fazia a figura do bom velhinho, e depois de alguém puxar sua barba postiça, algum pequeno ainda se espantava:

- Vó!!!

Tolas crianças.

Agora os adultos cabeludos colocam pra gelar suas grandes garrafas de cerveja, distribuem presentes pras afilhadas (ou, dez reais - te vira), mas se olharem pras estrelas verão que nada mudou - mesmo que alguém, por travessura, as tenha embaralhado na sombra do céu - nada, nada mudou.

O sol segue nos queimando - As mulheres seguem desconfiando - O pecado continua murmurando - Prisioneiros almejando liberdade alguma - Tartarugas morrendo de solidão

E os acadêmicos lendo seus livros de história!

- Feliz Natal!
- Feliz Natal!
- Feliz Natal!
- Feliz Natal!




(observava tudo isso de baixo da mesa, donde via esses grandes exemplares de crianças tolas, suas barbas e rugas, enquanto a lua da meia-noite não manchava com seu traço a pequena sineta de plástico na terrível guirlanda dependurada.)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

(são tempos corridos)



São tempos corridos
E hoje o poeta tem que se desdobrar
Em poeta
filósofo
centroavante
bajulador
fingidor

vendedor!

São tempos obtusos
E o poeta tem de pedir desculpas
Por ser poeta e não ser, por exemplo
Enfermeiro
Juiz

Mas a desculpa vem, invariavelmente
Em poesia
Curativos, não
Nem tampouco sentenças

São tempos de imagem apenas
E o poeta, papel e caneta

Apenas imagina