segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O Economizador de Saudades



Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,

Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

(cora coralina)






Segui à risca o teu conselho:

- Fica aí, impassível, economiza tua saudade.

Tentei me mexer o mínimo possível, de modo que tivesse tudo de importante por perto. Na minha rua tinha a fruteira, a locadora e a farmácia. Igreja não. Saía de casa umas duas vezes no dia, uma bem cedo, no horário onde cantavam os longínquos galos que só eu imaginava. e outra mais tarde, quando a lua interceptava a vista do sol, momento do paradoxo temor em que se podia enxergar o seu reflexo de astro-maior sem ter que encará-lo - olhos flamejantes.

Com o tempo que não cabe nessas linhas, me acometeu uma grande saudade da saudade. Afinal, na minha casa tinha cama banheiro cozinha. Na cozinha geladeira, no pátio a luz do sol seguia refletindo mesmo madrugada adentro. Tudo direitinho. Uma árvore tataracentenária, canários canadenses que há muito não voavam para o norte;

(Embora se notasse uma saudade opaca no seu olhar canoro.)

E eu pensando.

Passei os anos fugindo dessa saudade estampada na minha própria sombra. E hoje tudo o que sinto é.

**

Segui à risca o teu conselho:

- Fica aí, impassível, economiza tua saudade.

Até ver que a saudade é palavra que não existe em nenhuma língua - nem em português! - pretensa palavrinha de se explicar a dor e o amor com o mesmo gesto, bandeira marrom tremulando como nada dissesse.

Hoje sou saudade e semeio saudade. Impassível às vezes, impassível na saudade.

A árvore hoje é um condomínio, não mais de pássaros, mais de homens que passam, de rios de calamidades humanas. Os canários não mais os vi. Será que acharam outra daquelas figueiras tricentenárias? Fruteira, a locadora, a farmácia, nada. Grandes buracos com água escura no fundo. Os galos pararam de cantar, e eu parei então de imaginá-los. Na minha casa já não tinha mais cama, nem banheiro nem cozinha. Não havia casa. A luz do sol que visitava minhas madrugadas agora se escondia marota nos postes de esforçadas luzes elétricas. Minha sombra saiu andando, curva, na sua doentia exigência de uma democracia que não se esperava de um mero espelho monocromático.


Enfim, segui à risca o teu conselho, mas agora quem dá as cartas sou eu, conselheiro de mim mesmo! No xadrez, xeque-mate!

colo
braço
palavra
silêncio
lágrima
olhar
desejo
amor:

e eu, impassível!


terça-feira, 2 de setembro de 2008

Eu, grávido

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Comecei a sentir as contrações dia vinte e nove de dezembro. Doía tudo, eu rolava na cama, da cama pro chão, do chão para o banheiro, ia eu rolando e tendo acessos. Vomitei um monte de milho verde. É nojento mas faz parte da descrição, pô. Eu mal conseguia respirar, estava preocupado gritando “não, não posso morrer antes de conhecer o ano novo”, como se fosse grandes merdas conhecer o ano novo. Mas, enfim, estava pra nascer um filho e a dor era horrível. O meu cônjuge não-gay® estava mais nervoso que eu, andando pra lá e pra cá, “vamos pro hospital”, dizia, mas eu retrucava “odeio hospital”. Acabou que as contrações estavam ficando mais fortes, me doía muito o testículo direito, e eu sentia que a criança estava mal-ajeitada no meu ventre, mais pro lado direito, meio desajeitado, como o pai. Pedro seria o nome dele, escolhido às pressas no táxi, onde só não vomitei porque o estofamento era novinho e marronzinho.


Chegamos eu e o meu cônjuge não-gay® na emergência. Ele chegou, nervoso, e disparou “Não temos Unimed”. Normalmente quem não ten Unimed é enviado a uma parteira do SUS que atende numa reserva indígena próxima (uns trezentos quilômetros). Mas graças à lábia do meu cônjuge não-gay® fui atendido ali mesmo. Ainda não era o momento de o Pedro nascer. O enfermeiro disse que não era muito comum homens grávidos naquela época do ano, e que eu era recém o terceiro caso naquele mês. Disse também que era comum desenvolver os nenéns na região do alto ventre, ou até na área da barriga de cerveja mas que o meu caso era mais raro. “Você está com o Pedro no rim”.


Passei o Reveillon paparicado pelos parentes, alguns comprando fraldas, sapatinhos, meinhas de lã para o neném. Tudo amarelo, afinal, não sabíamos ainda se o Pedro ia nascer menino ou menina. Tive desejos estranhos na primeira quinzena de janeiro. Eu TINHA que comer avelãs. E lá foi o meu cônjuge não-gay® comprar avelãs. Aí eu quis avelãs com iogurte de pêssego. E lá foi o meu cônjuge não-gay® comprar o iogurte. Aí eu quis as avelãs misturadas no feijão. E lá foi o meu cônjuge não-gay® misturar as avelãs no feijão. “Agora mistura no sorvete”, disse eu. Ad Infinitum. Dia quinze fui eu pro tal do seu obstetrício que massageou o meu rim e disse, preocupado. “Não estou conseguindo mais encontrar o Pedro no teu rim”. Antes que o meu mundo caísse fui fazer a tal da ecografia. Nem a minha preocupação tirou a mágica do momento. Conselho à vocês: Façam ecografia uma vez na vida, pelo menos. É lindo. A mocinha manda baixar as calças até meio mastro, p passa um gel na barriga e começa a passar aquela máquina. E nada do Pedrinho. Passou aqui, ali. E nada do Pedrinho! “Vai ver ele migrou pro esquerdo”. E NADA DO PEDRINHO! NADA! Ela me olhou com uma cara de pêsame e disparou. “Tu deve ter eliminado o Pedro pela urina”.


Fui comer um xis pensando na insignificância da vida humana.