segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Passeio Noturno



De escrever já estava cansado. Havia anos escrevia, escrevia, escrevia. A boca, sêca, os olhos vermelhos. O que havia de mais atento, os dedos, formavam letras e frases e idéias, das mais absurdas!,

Mas os dedos agora estavam cansados.

Levantou, aproximou-se da janela e olhou com medo para a paisagem. Árvores de grandes copas, vizinhos reformando as casas, terrenos baldios, hectares de moradores da rua, comércio e cachorros. Escreveria sobre todos esses detalhes, com prosa rupestre e caligrafia avançada, mas de escrever já estava cansado. Cantaria refrões e redondilhas, sobre as raizes sobressalentes, os operários da construção civil, sobre os copos plásticos e tocos de cigarro, mendigos, capital e outros bichos, mas pra cantar não servia. Desafinava às vezes, quase sempre.

Resolveu sair pra rua. Lembrou-se de não esquecer das chaves em algum buteco, (celular não tinha.). A noite era dos temas prediletos no tempo em que de escrever não estava cansado. Saia pela rua com guardanapos e lápises, e às vezes até cantava!, ora vejam só. Desconhecia os aspectos da flora local mas tinha boa vontade com o tema; arremedava os passarinhos canoros que trabalhavam às 5h45 da manhã e flertava em lapsos com moças de bali, com seu inglês incrível e sotaque carregando a pronúncia do r intra-labial.

Agora tinha XX anos. Já estava passado, nada era como era. Infindos aniversários, natais, algumas páscoas, e a idade já pesava os ombros e o fórceps. Sentou-se no mesmo bar, onde nunca pendurou conta alguma, mas mesmo assim se sentia em casa. Tinha XX anos, é natural, com o tempo se vai andando, XX+1, XX+10, XX³! Nota? O cansaço vai tomando conta, a memória segue tomando nota, mas agora a caneta está falha. A tinta azul agora escreve em braile, e as anotações são misteriosas.

Ignorou o assunto.

As borboletas nascemorrem. A tartarugas, nascem, vão, crescem, seguem, andam, bora, mais um pouco, e quando viu, duzentos anos. Algumas morrem antes. Mas todas parecem nascer e morrer. Pronto. O resto é recheio

- Cerveja!

Escreveu na cabeça um poema que pensava assim:

"noite tão bela noite
suja
noite formosa noite
vaga
noite tão belo dia
breve!"

mas não anotou e logo esqueceu. Já pensou em melhores antes e esqueceu do mesmo jeito.

Tinha dez reais, gastou quinze. Pediu carona, carro não parou. Achou graça! Elogiou uma prostituta, sentiu-se vivo, sorriu para uma freira
(já eram 5h45!)
Os passarinhos canoros começaram a cantoria. Seus ouvidos abriram como rosas, embora isso fosse imperceptível pra esse tipo de míope. A canção era inédita, e oriental. Assim caminhou, atravessou ruas, descobriu o dia atropelando as sombras.

Comprou o jornal do dia seguinte!

Chegou em casa suado, as chaves no bolso. Cansado, pensava em dormir. Então escreveu. Linhas, estrofes, parágrafos, pausas, contratempos. O que havia de mais atento, sua mente, formava letras e frases e idéias, das mais absurdas!, que os dedos acompanharam por desacato.
Naquele dia sentiu seu nome gravado em pedra, sentiu pedra sobre pedra erguer-se uma morada virada pro mar, ou lagoa. Ao fundo, um caiaque, um escorregador ou uma fogueira.

Naquele dia sentiu-se vivo, típico sintoma de quem está entre o nascimento e a morte.



Um comentário:

Vanessa Anacleto disse...

Engraçado senti que este texto deveria ser lido rapidamente. Não sei se é o caso mas deu esta impressão. :-)

Bom, este é um comentário chamada para a primeira blogagem coletiva que me atrevo a fazer. Caso o tema te agrade e vc queira participar, apareça! Se preferir apenas conferir os posts do dia 17 de fevereiro, apareça também!