terça-feira, 21 de outubro de 2008

Violando a Caixa de Pandora.

Fui eu quem abriu a caixa que pertencia à Pandora.

Podia muito bem ter deixado ela por lá, empoeirada, um jarro daqueles de argila com motivos incas, ou coisa parecida, estacado num canto onde a luz mal escorregava e as aranhas já não mais habitavam (com longas pernas).

Liguei uma vela, um cigarro e um assemelhado, lareira paralela, tochas e lampiões e permaneci parado diante da caixa. Que será que tem ali dentro? Dinheiro? Jóias? Documentos? Peças íntimas? Devia ser alguma daquelas coleções de segredos.

A tampa era leve, embora não tivesse bem por onde abrir, como um relevo, uma alça, uma orelha. Puxei com mãos de lagartixa e a tampa caiu no meu colo.

hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

truvão
relampejo
luzes
gemidos
horror

do jarro saíam coisas que não tinham uma palavra correspondente na boca, amálgamas, quirandas, feixes de vozes, reflexões

truvãorrelampejoluzesgemidosehorror

Eu me mantendo sereno, tratei de tampar a caixa-jarro novamente e percebi que lá dentro restava um escarro de esperança. Abracei-me ao jarro-caixa e saí correndo.

Não adiantava mais.

A Doença me agarrou nos pés
- Lepra, candidíase, sarna e rubéola!!!

O Trabalho me puxou pelo braço
- Despertador, desespero, submissão, pão, patrão!!!

A Mentira me fitou de cima
- Sucesso, fama, fortuna, mulheres!!!

A Velhice não me alcançou, porém vociferou de longe
- Mooooorte!

Foi então que a Paixão pôs a mão esguia em meu ombro, sorriu
e nada disse

Posto então que me abracei à Loucura
e saímos ambos
com a Esperança debaixo do braço
desespero perpétuo no fundo do olho!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

fato consumado



Vai aonde?

- Vou embora.

É um problema pra você gostar de mim?

- :|

Então...

- :|

Nada a dizer?

- :/

Eu já sabia, J.W., você não presta! Chega nessa hora sempre sempre fica mudo. Calado
como uma porta!!!
[tapa, expressão no olhar, tapa, chute na altura do joelho]

- pára mulher!

[apertão, empurrão, expressão no olhar, tapa, apertão, apertão, clinch]

- ai, ai, pára de me bater mulher!

não páro não páro não páro não páro não páro não páro não páro não páro não páro!




respondeu às agressões da mulher à altura, com uma cotovelada no fígado, duas cabeçadas alternadas, uma rasteira de cobra e o grosso das técnicas de estrangulamento que tinha aprendido, deu batidas moderadas com sua cabeça no marco da porta, mas rapidamente se arrependeu, principalmente quando a garota começou a se comportar de maneira atípica.

* (cena nº2)

Aí, vejamos!, como nada tivesse acontecido sairam os dois incrivelmente abraçados em direção ao carro, ela no seu colo como recém-casados, olhava nos olhos dela e talvez ela tenha suspirado, embora parecesse exausta.

J.W. foi dirigindo, como era de costume.
Passaram pelos antigos portos e por andorinhas que migravam para o noroeste, até chegarem enfim ao mercado. Ela manteve o semblante neutro que adotara há pouco, ficando assim no carro à espera dele.
Trouxe um vinho argentino, tinto, espesso e seco. Havia esquecido as castanhas de jacú que ela tanto gostava, mas comprou chocolates de duas cores e balas de goma.
Pegou pra si um sanduiche, um croissant pra ela que não demonstraria nenhum entusiasmo.
Comprou também
um cartão
confetes
café
lâmpada
temperos
querosene
rúcula
argila
xampú
papel higiênico
e cebola.



(mas acabou esquecendo a pá!)