terça-feira, 28 de abril de 2009

Profissões: contador

Se os antropólogos são aqueles que vão a um estádio de futebol e escrevem gigantes relatórios
E os filósofos são aqueles que inventam sempre uma nova palavra quando querem inventar alguma idéia nova em forma de palavra
Se os juristas decidem se o errado é certo ou errado
E os professores são aqueles que aprenderam a ensinar conforme os ensinaram a ensinar
Se os artistas são aqueles que vêem brilho no distante de seus olhos

Que resta dos contadores
Que apenas
Contam?

Mas antropólogos também completam complexas planilhas entre ameríndios
Filósofos saem com suas redes de caçar antigas borboletas às ruas
Juristas preenchem cruzadinhas em branco, com canetas esferográficas recarregáveis
Professores seguem ensinando a partir de exemplos alguns exemplos a mais
E os artistas programam batidas eletrônicas

Mas os contadores
Apenas
Contam.

Antropólogos sujam as botas, mas ainda têm uma mesa limpa e um escritório
Juristas já não usam perucas ornamentadas, mas às vezes tateiam a cabeça em busca dos bobes e rabos-de-cavalo
Professores desceram dos palanques, mas usam seus saltos-plataforma
E os artistas até já ganham dinheiro com publicidade.

Contadores
Apenas
Contam.


Os versadores versam
Os obstetras desobstruem
Os produtores produzem
Produtos por eles produzidos

Os violeiros rasqueiam
Os cantadores cantam
Outros na capela
de joelho
rezam...

Mas os contadores
Meu irmão
A essa altura
A toda hora
Os contadores somente
Contam!

Contam o tempo que falta pras seis e quinze
Quando pegam seus casacos
Engarrafam-se nas ruas
Passam na padaria
Pagam o fiado
Em casa o fígado já está temperado
E as crianças todas chorando

As contas se dependuram na geladeira
O conjuge reclama reclames antigos
O telefone toca
A barriga dói
A pastilha já não abranda a dor
A comida toda tem gosto de fígado!
O fígado tem gosto de plástico!
As crianças não se parecem em nada com o pai!
E o pão
Caralho!
Era velho!
As crianças
As mulheres
Os problemas!
As contas!
Que se fodam!

Contadores apenas contam.
Nada mais.

7 comentários:

Cinodonte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cinodonte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cinodonte disse...

Idéia encerrada de mundo é sempre ferida pela experiência, mais múltipla em possibilidade do que imperativos categóricos possam contar. Perguntemos ao contador , que é conhecedor do cálculo sem nunca ter gerado significado dos calculos que faz. Os assegurados meios da preconcepção vista como retentora da idéia que movimenta o mundo também se emaranhara no destroçamento do cotidiano. Ousou remover-se do mundo-dado aquele que privilegiou o espanto do intuir antes possivelmente concluír essências. A dita verdade extraida delas remove toda a liberdade do ser gerador; esse que já está ai desde sempre defronte com existência

Cafifo segue com brutal genialidade

Thiago

Sergio Kroeff Canarim disse...

Quem não conta? Cada rotinidade, não é um sempre estar contando?
Belo Cafifo.

Sergio Kroeff Canarim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lara disse...

Oi Rafa,
Eu fui seduzida pelo teu post aí de baixo e coloquei um pedacinho lá no Dramática Distraída.
Beijo,
Laríssima

Anônimo disse...

mas como assim, postagem removida pelo autor?

ai ai ai, que calúnia, removi nada não!