segunda-feira, 17 de novembro de 2008

relatos do irremediável

elenco:
ele
ela

o farmacêutico



20:22


Abriu aquela tampinha, removeu a bateria, (deu uma sopradinha), tirou o chip, botou de novo, passou um paninho úmido, com esforço, nos cantinhos da cavidade-de-bateria. Depois botou tudo no lugar e religou o celular. Pensou em ligar pra ela.
Hesitou.
Acabou escrevendo uma mensagem de texto pra avó (que não foi entregue / motivo: falta de saldo)

20:44

Olhou a foto do neto. E de outro neto. E de outro neto. E de outro neto.
Suspirou.
Depois voltou e olhou a foto do neto outra vez.
Resmungou.
A bursite havia disfarçado um pouco a dor na panturrilha, pensou.
Sentiu sede e foi até o supermercado. No meio do caminho se arrependeu, e também já não tinha mais sede.
Passou na farmácia, que estava lotada de jovens irreverentes, e solicitou atendimento preferencial. Pedu uma pomada pro ferino farmacêutico
- pra passar no ombro vó?
Achou o rapaz muito gentil mas não sorriu. Voltou pra casa, cansada. (Olhou a foto do neto.)

21:12

Chegou sobressaltada no bar. A amiga, sensível, resolveu não perguntar pelo ..., mas nem precisou, já entrou falando. - ele não quer saber mais de mim! deve estar com outra! E se pôs a chorar copiosamente em plena hora feliz daquele Botequim!
Copiosamente!!(?)
Um rapaz da mesa ao lado, com traços de mágico prestidigitador (e roupa de farmacêutico) ofereceu um choppe escuro e um lenço. Meia hora mais tarde sairam de lá os dois meio que abraçadinhos, ele sorriso no canto do rosto, ela, celular desligado.


<<<<<>VOLTAFITA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


20:22

Tentou ligar pra ele, mas o celular estava fora da área de cobertura. Onde estaria? Na praia? Não, não, (não?), talvez dentro de um supermercado ou caixa-forte, caverna, ou talvez em um bairro remoto da zona norte. Talvez estivesse(..), talvez tenha desligado a porra do celular. Talvez estivesse com outra!!!
Talvez estivesse com a outra!!!
Foi cortar uma abobrinha...
Pra substituir
seja lá o quê!

Mas uma amiga salvadora convidou pra tomar um chope na hora feliz do Butequim. Não hesitou e aceitou a proposta da amiga. Foi pro banho e pensou que se ele ligasse não atenderia.
(Mentira!)


20:44

Era novo na farmácia, mas tinha um instinto aguçado. Quando entraram pela porta ao mesmo tempo um Chato e uma Moça com os grandes peitos escapando do vestido, atendeu a Moça antes.
Ainda que o Chato tivesse chegado primeiro, com um grande nariz de vantagem.
No que o Chato reclamou - direitos iguais!, prontamente respondeu - democracia!, e voltou ligeiro a atender a moça, mostrando claramente o seu voto (ainda que secreto!).

Tudo isso até entrar uma vó mau-humorada, já gritando, - sou velha!, - me atendam já! Pediu um remédio pra dor no ombro. Receitou um Levonorgestrel 0,75 mg, disse que era batata e voltou a atender a moça. Não lembrava pra que servia o Levonorgestrel 0,75mg mas achou o nome bastante musical. A velha foi embora, com o olhar desconfiado típico dessa estirpe desses velhos ranzinzas. Faltava meia hora e um Chato pra acabar o expediente. Sorriu de canto de rosto.


21:12

Precisamente nesse horário resolveu ligar pra ela.
Hesitou.
Andava meio distante da última vez que se viram, ontem-ontem. Será que ela estava pensando em outro? Resolveu ligar, telefone sem serviço. Sabia que deveria trocar de operadora, que essa ... era uma merda!
Pegou então o celular e discou * * * * * * * *
(preciso momento em que se deu conta da sabida falta de saldo!)

Estava suado, exalando por todo o corpo um cheiro semelhante ao do iogurte natural. Não tomou uma ducha e saiu pra ligar pra ela de um orelhão. Mas orelhão é roleta-russa, e de cada 6 só um faz o seu serviço direitinho, geralmente o mais distante.
Meia hora depois enfim acabou encontrando em excelente estado um daqueles telefones públicos destinados aos anões, quando uma nuvem chegou a chuviscar num pequeno espaço de tempo/

(mas não conseguindo outras nuvens adeptas
acabou cancelando a tormenta.)

Discou * * * * * *... * *,

- celular desligado ou fora de serviço.

Onde estaria?
Na praia?
Sentou em um banco de praça e sentiu certa ternura por uma das pombas azuladas que ali vagavam. Pensou em buscar um pouco de milho e distribuir, quem sabe, pra pomba azul e pras suas multi-ornamentadas amiguinhas.

(Hesitou.)


Um comentário:

Vanessa Anacleto disse...

Caramba que texto bom. Estou longe do overmundo e se conseguir eu volto em breve. Enqto isso vou te lendo por aqui!

Abraço e feliz 2009