sexta-feira, 13 de março de 2009

Kassandra (take 2)

A primeira vez que K. me disse eu te amo estávamos na cama. Eu por cima dela, dentro, o queixo roçando seu pescoço. Aí ela disse, quase sem forças:

- Eu te amo!

, e seguimos um por cima do outro, as barrigas suadas e os gemidos sussurrados.
A impressão que aquele verbo causou não tem nome ou objeto, estava confundida na carne, nas mãos e nos cheiros. Frente à carne, às mãos e cheiros, seria só um eu te amo qualquer, um som como tantos outros que emitimos, um ruído. Mas era o primeiro: era a primeira vez que K. me dizia eu te amo. E estávamos ali, sem roupa, feito animais que somos, e nem sequer olhávamos um nos olhos do outro. Daí rapidamente percebi do vício que temos no olhar e na palavra. Acreditamos no olhar e na palavra, e em casos como esse, os dois juntos se fazem cúmplices.

- Eu te amo!, diria K. me olhando nos olhos, ambos vestidos, de repente, num jantar romântico a luz de velas.

Mas não! No exato momento em que K. me disse - eu te amo!, eu tendia a esfregar meu nariz em seus peitos, com raiva da sua constante beleza. Raciocinava eu como um cachorro raciocina e ela me dizendo coisas como que por instinto: - eu te amo! Forçaria os braços sobre suas coxas - e acho que até o fiz - arranharia lentamente até a altura dos joelhos, aí já com medo dela dizer eu te amo eu te amo eu te amo eu te amo, e me olhar nos olhos, como num jantar romântico! A luz de velas! Mas não, eu não arranhei suas coxas até a altura dos joelhos e ela não me disse eu te amo nenhuma outra vez naquele mês.

Conto agora essa história de maneira pretensamente linear, mas não foi assim que se sucedeu. Ou foi, na linearidade amarrotada característica da nossa existência. Fui realmente sentir o peso da declaração de K. - eu te amo!, depois, com ela repousando sobre meu peito.

- Você falou "eu te amo"! - perguntei em silêncio.
Ela nada respondeu ou acrescentou, estava ocupada acariciando em círculos o meu bigode.

Fiquei aí entre o medo e a surpresa (perplexo?) com aquela declaração corporal, um eu te amo dito com a carne, a cabeça desligada, os olhos quase fechados. Um eu te amo suspirado.

Pensei na hora que seria mais adequado se dizer uma coisa dessas num jantar a luz de velas. Aí fala:
- Eu te amo!
, com um olhar suplicante.

Aí proponho um brinde, e brindamos.

Ou: Espera um momento de silêncio, entre os goles de vinho (qualquer vinho) e fala:

- Eu te amo!

Mas aquele eu te amo suado entrou pelas minhas narinas, e mais parecia não pertencer ao momento. Um eu te amo estrangeiro, clandestino. Eu te amo impuro, sujo, mas fazer o quê?

Foi aquela justamente a primeira vez que K. me disse eu te amo.

*
Tempos depois K. me disse eu te amo novamente. Estávamos comendo (não lembro o quê), bebendo um vinho sul-africano, ou uruguaio?, nos olhando nos olhos.

No exato momento em que nos acabava o assunto, K. falou em voz pouca:

- Eu te amo!

Aquelas palavras nada significaram.

Propus então um brinde qualquer, mais tarde eu tinha que visitar minha mãe, que estava com febre e saudades.

Um comentário:

Naná Bap. disse...

tadim...
amor, brega, eu-te-amo, porno-chanchada, sexo, xilique


K. ainda não conhece a arte do perguntar-em-silêncio/responder-com-palavras