sábado, 26 de novembro de 2011

Hoje mesmo o glamour arrotou em minha mesa. Eu estava apenas de pijamas. Eu estava vago, sem cueca, estava de meias cano curto furadas, e apenas fui conduzido à sala de jantar. Sentei em algum lugar daquela vasta mesa, de uma madeira viva de um tipo já extinto de parentesco com o mogno, que peguei um jornal e me pus a enxergá-lo. Meu sono foi ferido pelo barulho dos talheres raspando pratos gastos, e quando o frango muito mal passado se pôs a escorrer em minha frente, um calor azedo subiu a garganta, e suspirei. Eu queria apenas um pão, de qualquer data, eu queria apenas ficar, mas apressadamente se ajuntaram ao meu redor todos eles, a me encarar.


1.
O que há de excepcional nisso? São muitas cadeiras estofadas e é natural que se tenha o costume de assentar-se nelas à primeira oportunidade. São cadeiras com um estofado verde musgo, de aparência pegajosa, mas sensíveis ao toque, com um tato de bochecha infantil, mas uma sensualidade que talvez também seja comum à bochecha da criança, mas que preferimos imaginar e cheirar uma bochecha de mulher criada e cuidada... De pronto avistei:

As Luxurias
Inocentes em sua provocação. Roçam suas panturrilhas em mim, me atiçam, pois de longe, sentada como se fosse pagar a conta, a Culpa nos olha com olhos de mulher mais velha perdendo o viço...

A Razão e a Razão.
Como são distintas! Sentam uma de cada lado da mesa. Isso acarreta em sempre ficar do lado de alguma delas ao sentar-se. Me dizem que isso é natural. Elas mesmos, um dia sentam aqui, outro acolá.

A Ética
É comum termos alguém autista na família. A ética se ocupa de si mesmo, e toca piano divinamente.

2.
Enfim a Arte nos trouxe o de beber. Serviu as taças com maestria e foi aplaudida por todos ao redor da mesa. Porém no escuro da cozinha lhe chamavam: inútil, fútil, incapaz!

A Cultura então questionou: porque não podemos sentar-nos à mesa como todo mundo? Estamos famintos!

O problema se espraiou num telefone-sem-fio, a Dúvida consultando o Medo, o Vilipêndio aviltando os Fatos, a Notícia se exibindo à Inocência, e quando enfim o bolo informativo chegou ao crivo da Justiça, aconteceu de a Verdade estar lavando as mãos...

Decidiu-se com um par ou ímpar entre a Sorte e o Garbo, no que resolveu-se:

1.1.1.1.a- A Arte e a Cultura, para sentar-se à mesa, deverão vestir-se adequadamente: sendo expressamente proibido: Trajes de Xale, Mantos Goumé, Sapatos Keller ou Botas de Chuva.

1.1.1.2.a- Independente do traje, as rés deverão sempre, em caso de dúvidas quanto ao proceder: pedir desculpas, pedir permissão, e evitar de pedir favores.

Então aquele dia tinha tudo para ser um diferencial. Acordaram-me antes mesmo de acordar-se a manhã, deram-me o jornal que viria, prepararam um banquete tão às pressas, que o frango veio mal passado. Eu queria apenas um pão. A Cultura, em nome de todas as minorias, pediu permissão para sentar-se, impecável, com um traje de um tecido que lembrava o chambé. Sentaram-se todos, ritmados, maquiados. Pediram desculpas pelo atraso. Evitaram de pedir o sal.

3.
Elogiei publicamente quão bela estava a Arte, embora secretamente eu a preferisse em trajes de mucama. Imaginava um dia desnudá-la. Queria o seu peso por cima do meu, morto. Acordei. Perguntei-lhe se a ela lhe agradavam os trajes e a pesada maquiagem. A Arte respondeu-me com um tímido sorriso.

4.
Notei que a Cultura não estava muito à vontade. Sempre a vi com uma combinação estranha de conjuntos exóticos de trajes de roupas diferenciados. Chinelas de bambú, bombachas, vestidos floridos, colares, cestos na cabeça! Agora estava com um terno cheirando a brié, envergada em sinistras ombreiras, sufocada com o nó daquela gravata! Estava sufocada a Cultura, que frouxou o nó do pescoço e foi aí rígidamente advertida pela Etiqueta!

(Velha muquirana)

5.
Cansei-me!
Levantei-me e me pus a caminhar, espantando todas as presenças de minha volta, dos meus calcanhares, e me pus a correr, e fui, tão rápido e por ruas tão não caminhadas, e ladeiras de tão escorregadias, e na sombra gorda de uma árvore cresci, e no barulho dos pássaros e no cabelo do presente agarrei melhores alegorias.

2 comentários:

Naná Bap. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Naná Bap. disse...

Seeeempre genial o sênhor!
Presenteou-me o dia.